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segunda-feira, 22 de junho de 2015

Filme: A boa mentira (The good lie)



“Se for andar rápido, ande sozinho. Se quiser ir longe, vá em grupo” (ditado africano)

O ditado africano acima, foi usado no final do filme A boa mentira. É a filosofia que dá o tom à história. Baseada em fatos verídicos, conta uma história de superação, a trajetória, com picos de odisseia, de um grupo de crianças órfãs sobreviventes à guerra civil do Sul do Sudão. O drama dos órfãos da guerra é pouco conhecido no mundo, e foram chamados  de os garotos perdidos do Sudão.
Nos primeiros 20 minutos, vemos as cenas dramáticas que empurram um grupo de crianças para uma fuga improvável da área da guerra, na tentativa de chegar a um acampamento de refugiados no Quênia, mais de 1000km distante. Depois de passarem por incontáveis perigos, como a travessia de um longo rio, a constante ameaça de animais selvagens e o fogo de soldados inimigos, fora a fome, a sede, o cansaço, ferimentos e a debilidade das crianças, precisando de constante apoio dos mais velhos, o grupo é reduzido a cinco. E já no acampamento, o mais jovem, frágil e doente, acaba morrendo. O tempo passa, e treze anos depois encontramos o mesmo grupo no acampamento rezando em volta da campa do garoto morto. Agora adultos, eles ganham, através de uma ONG humanitária, a oportunidade de iniciar uma nova vida nos EUA. 

Chegam cheios de esperança, mas logo no aeroporto a única moça do grupo, Abital, é separada. Todos se tratam por irmãos, mas, na verdade, apenas Mamere e Abital são irmãos 'de sangue’. Os três rapazes permanecem juntos no Kansas e a moça segue para Boston. A ingenuidade dos jovens, de tão genuína e tocante, acaba conquistando Carrie, a impaciente e estressada assistente social, funcionária da agência de empregos, que os recebeu no aeroporto.

O choque cultural e de valores é gritante e constante. Logo no primeiro emprego, num supermercado, eles ficam chocados com a quantidade absurda de comida que é jogada no lixo diariamente, algo que fere a profunda religiosidade de Jeremiah.  A intenção dos jovens é estudar e trabalhar, valorizando a oportunidade de ouro que tiveram, sempre com o pensamento nos milhares de refugiados que lutam para sobreviver, no longínquo acampamento, em meio a tanta carência, nos pais e irmãos entre tantos mortos na guerra. 

A vida segue para Mamere, Paul e Jeremiah, que sonham em trazer para perto, Abital, sozinha em Boston. E o que parecia improvável acontece. Eles são ajudados pela assistente social desprendida e independente (Reese Witherspoon), e o dono da agência de emprego (Corey Stoll), cativados, como o espectador, pela ingenuidade, a candura e o forte laço que une o pequeno grupo, mas acima de tudo isso, pela generosidade desprendida, que pouco acostumados estamos nos nossos dias.

A saudade de casa, a separação de Abital, os traumas, a lembrança dos irmãos mortos, as influências negativas e o constante conflito de valores levam ao estresse. Conflitos internos e externos surgem e para a Assistente Social, Carrie, já muito envolvida emocionalmente, fica claro que eles precisam trazer Abital, ou os rapazes, os 'meninos perdidos do Sudão', se desviarão de seus propósitos. Notícias chegam de longe, levantando a possibilidade do irmão de Mamere e Abital, Theo, estar vivo.

O final do filme é coerente e tocante, e explica o título, mas, ainda que com grande carga emocional, fica-se com a sensação, que tudo acontece como deveria e que as peças desse grande puzzle, com que às vezes se parece a vida, ainda que perdidas e encontradas por descaminhos, se encaixam perfeitamente.


O filme é protagonizado por excelentes atores sudaneses, dois dos quais são ex crianças-soldados, o agora músico de Hip Hop Emmanuel Jal (Paul) e o modelo Ger Duany (Jeremiah). Eles encarnam os personagens com tanta maestria e carga dramática, que quase acreditamos que se trata dos verdadeiros heróis da história. 

A imagem de Reese Witherspoon, que entrou no projeto como atriz secundária, foi largamente usado para destacar o filme, que antes mesmo de ser lançado, garantiu venda em vários países. A presença da atriz ganhou também críticas isoladas, reportando ao velho clichê do homem branco salvando o negro, imagem degradante, que reforça a tese dos que criticam a inércia dos países ricos. Para estas pessoas, o mundo fez muito pouco por essas populações, vítimas de uma guerra gerada por terceiros, e nem a imprensa, nem a ONU fizeram grande coisa, jogando um assunto de extraordinária importância  na história da humanidade, para o desconhecido e o esquecimento. 

Para além das perspectivas negativas, da propaganda escrachada, é preciso olhar tudo isso, como caminhos necessários, úteis, únicos e estratégicos, de se chegar onde se quer, aliás como o próprio personagem de Reese Witherspoon, Carrie, fala aos rapazes. Que é assim que o mundo funciona, que vivemos numa sociedade esquematizada e moldada pelo poder. 

O importante é o que fica, o que marca. Além dos personagens envolventes, cenas e diálogos que nos levam à reflexão, o diretor canadense, Philippe Falardeau, nos premia com belas imagens, e cenas onde a propaganda se entrelaça maravilhosa e oportunamente com o roteiro. Acima de tudo, Falardeau nos oferece pérolas em meio a tanta brutalidade e crueldade que denigrem a humanidade, e desta forma, ressuscita os mortos, os esquecidos.

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